segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Livro Quanto vale a sua vida- autor Renan Arco- Verde

       No shopping Garden of Eden, a conversa flui, animada:
- Quanto vale esse aparelho de CD, Beto?
- Já te falei, Bob. O cara faz por duzentos e cinquenta reais à vista. Está novo em folha. E vale, no mínimo, quatrocentos.
- Cara, por que você não manda consertar aquele que está atirado lá na loja? Com cinquenta, sessenta reais está resolvido. E pode ficar com ele, é um presente da BBB Games- sugeriu Bob.
- Tem dó, Bob. Aquele modelo é antigo pra caramba... - falou Beto.
- Que é isso, Beto? Você está maluco, cara? Não tem nem seis meses que a gente comprou- Benê disse, tentando amenizar o tom quase raivoso do Beto.
- Puxa, que amigos, vocês, hein? Não querem emprestar a grana, não emprestem e pronto. Digam logo. Não me venham com esse papo furado- Beto falou, em tom mais brando que anteriormente.
       A conversa tinha se iniciado com o Beto pedindo autorização aos sócios para fazer uma retirada no caixa da loja, pois precisava de duzentos e cinquenta reais. Bob e Benê achavam que devia ser alguma coisa mesmo séria, tipo doença, ou, quem sabe, mais débito do pai do Beto. Mas, não. O Beto, devendo um monte, estava querendo aquele dinheiro para comprar um aparelho de CD.
       De nada adiantou Benê e Bob argumentarem em contrário.
       Bob disse que não ia aguentar por muito tempo no Brasil. No máximo, ficaria até Junho, esperando terminar o semestre escolar. E quando viajasse deixaria o seu aparelho de CD parao Beto.
       Benê falou que continuava com seu velho três- em- um (disco, fita, rádio) da Sharp, e tudo bem. Conseguia se emocionar da mesma forma. A música não ficou diminuída e o mundo não acabou. A resposta do Beto veio meio ferina:
      - Ah, Benê. Não vem com essa de troglodita. Você quer viver no tempo da pedra lascada. E eu na era do raio laser. É essa a diferença.
      - Ih, que papo é esse, gente? Vamos descer e azarar umas gatas- convidou Bob risonho.
       Na escada rolante, Beto seguindo na frente, Benê cochichou no ouvido de Bob:
      - Não vamos amolecer, cara. É não e não.
       Os três amigos eram o que se pode chamar de trio parada dura. Estava sempre juntos, e, embora morassem em ruas e bairros diferentes, estudavam na mesma escola.
       Bob tinha 16 anos, Beto, 17 e Benê, 14. Bob e Beto cursavam a segunda série do 2° grau, e Benê estava na última série do 1° grau.
       Possuíam em comum o fato de não suportarem mais as aulas, que gazeavam de vez em quando, escondidos e aprisionados em video games e fliperamas. Ou então, numa matinê de cinema em companhia de algumas colegas do colégio.
       Tais matinês eram enriquecidas com sessões de amassos e gostosos lanches no McDonald´s.
       Por causa do descaso que faziam da escola, os três vinham enfrentando sérios problemas em casa com os pais. Discussões, promessas de castigo e até suspensão da mesada, como ameaçava fazer o pai de Bob.
       Este era um cara cheio da grana. Dono de duas lojas de ferragens, possuia também terras e gados no interior, além de várias aplicações em bancos e instituições financeiras.
       Nelson, como se chamava, casara- se cedo com Helena e cedo também, com o pai ainda vivo, mas paralítico (sem andar), assumira, na prática, a herança e os negócios da família. Trabalhou duro e sem descanso para conservar e aumentar o patrimônio herdado. Aos 45 anos de idade era um homem realizado materialmente.
       Bob era filho único e nunca lhe faltou nada. Nelson estava descobrindo, porém, que o filho não tinha nenhuma vocação para os estudos. Motivo mais do que suficiente para deixá- lo preocupado. Mais dois anos, e Bob atingiria a maioridade. Sem estudo, só restava o trabalho.
       Por isso ficou mais tranquilo, quando o filho, na última quarta- feira, chegou e lhe disse:
      - Pai, preciso falar com você.
       Nelson segurava com o fone na mão esquerda e preparava- se para teclar um número com a direita quando a voz do filho veio até ele. Interrompeu o telefonema no ato, e Bob achou engraçado a posição na qual o pai ficou por alguns segundos, meio curvado, uma mão perto do ouvido e outra esticada à mesa do telefone. ¨É. Parece uma estátua.¨, pensou Bob, rindo para si mesmo.
      - Pode falar, filho. Esse telefonema fica para mais tarde. Deve ser algo importante o que você tem para me dizer.
      - E é, pai. Não levo menor jeito para os meus estudos. - Enquanto Bob falava, iam se acomodando nos sofás da sala, um de frente para o outro.
      - Você falou sobre isso com a sua mãe? O que ela disse?
      - Ah, pai. Ficou triste, contrariada. Mas disse que você é quem resolve. Igual aquele programa de TV, pai: ¨Você decide¨...
Continua

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